Uma análise da vida, do intelecto e da imaginação do maior apologista do século XX
No dia 22 de novembro de 1963, o mundo parou para chorar o assassinato de John F. Kennedy. No entanto, na mesma hora, em uma casa tranquila em Oxford, falecia Clive Staples Lewis. Sua morte passou quase despercebida pelos jornais da época, mas, décadas depois, sua voz ressoa com mais força e clareza do que a de qualquer político daquele século.C.S. Lewis não foi apenas um escritor; ele foi o homem que conseguiu realizar a difícil tarefa de "batizar a imaginação" sem sacrificar o intelecto. Para o leitor cristão atual, Lewis oferece um modelo vital de como a fé e a razão não são inimigas, mas sim os dois pulmões pelos quais respiramos a verdade.
Este artigo explora a jornada de Lewis, seus pilares apologéticos e a teologia profunda escondida em suas histórias.
1. Infância e o "Golpe" Inicial
Nascido em Belfast (Irlanda do Norte) em 1898, Lewis teve uma infância marcada pela imaginação, mas cedo foi tocada pela tragédia.A Perda: Aos 9 anos, ele perdeu a mãe para o câncer. A morte dela destruiu a segurança do seu mundo infantil e foi o primeiro passo para o seu futuro ateísmo. Ele via o universo como um lugar cruel e sem propósito.
A Solidão: Com o pai emocionalmente distante após o luto, Lewis e seu irmão (Warren) se refugiaram nos livros e na criação de mundos imaginários (como o mundo de "Boxen"), plantando as sementes para Nárnia.
2. A Guerra e a Academia
Lewis foi um aluno brilhante, mas sua educação em Oxford foi interrompida pela Primeira Guerra Mundial.Nas Trincheiras: Aos 19 anos, ele lutou na França. A brutalidade da guerra reforçou seu pessimismo. Ele foi ferido em batalha e viu amigos morrerem, o que consolidou seu materialismo: para ele, o sofrimento provava que não existia um Deus bom.
Oxford: Após a guerra, ele se tornou professor no Magdalen College, em Oxford. Ele era um especialista brilhante em Literatura Medieval e Renascentista, conhecido por sua memória fotográfica e intelecto afiado.
3. A Grande Virada: De Ateu a "Convertido Relutante"
Este é talvez o ponto mais famoso de sua vida. A conversão de Lewis não foi emocional, mas inteiramente intelectual e gradual.O Dilema: Lewis amava a mitologia (nórdica, grega), mas desprezava a religião. Ele começou a sentir que os mitos lhe traziam uma "alegria" profunda que o materialismo frio não conseguia explicar.
A Influência de Tolkien: Ele fez amizade com J.R.R. Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis). Tolkien ajudou Lewis a ver que o cristianismo era um "mito que se tornou fato" — uma história verdadeira que satisfazia a imaginação e a razão.
A Conversão (1931): Lewis resistiu bravamente. Ele descreveu a si mesmo como "o convertido mais relutante de toda a Inglaterra". Ele se rendeu primeiro à ideia de que Deus existia (teísmo) e, meses depois, aceitou o cristianismo especificamente.
"Eu cedi, e admiti que Deus era Deus, e ajoelhei e orei." — C.S. Lewis
4. Os Inklings e a Criação de Nárnia
Lewis fazia parte de um grupo literário informal chamado The Inklings, que se reunia em pubs de Oxford (como o The Eagle and Child) para ler rascunhos de seus livros em voz alta.Foi nesse ambiente, entre cervejas e cachimbos, que Tolkien leu os rascunhos de O Senhor dos Anéis e Lewis leu os primeiros capítulos de As Crônicas de Nárnia.
Nárnia (1950-1956): Lewis escreveu Nárnia já na meia-idade. Ele queria traduzir a teologia complexa em imagens que uma criança pudesse entender (como o sacrifício de Aslam substituindo a expiação de Cristo), embora Tolkien, curiosamente, não gostasse muito das alegorias óbvias de Nárnia.
5. O Amor Tardio e a Dor
Durante a maior parte da vida, Lewis foi um solteirão convicto. Mas, já na casa dos 50 anos, sua vida pessoal sofreu uma reviravolta.
Joy Davidman: Ele conheceu Joy, uma escritora americana ex-comunista e convertida ao cristianismo, inicialmente por cartas.
O Casamento: O que começou como uma amizade intelectual e um casamento civil "técnico" (para que ela pudesse ficar na Inglaterra) transformou-se em um amor profundo.
A Tragédia: Pouco depois de perceberem que se amavam, Joy foi diagnosticada com câncer ósseo terminal. Eles tiveram apenas alguns anos de felicidade conjugal. A morte dela devastou Lewis, levando-o a escrever "A Anatomia de uma Dor" (A Grief Observed), um diário cru e honesto onde ele questiona a bondade de Deus em meio ao sofrimento, mas acaba reencontrando sua fé, agora mais madura e testada pelo fogo.
I. O Solo: Da Trincheira ao Tabernáculo
A biografia de Lewis é a história de um homem fugindo de Deus até ser encurralado. Nascido em Belfast (1898), sua infância foi marcada pela tragédia precoce da perda de sua mãe e pelo distanciamento emocional do pai. O jovem Lewis buscou refúgio nos livros e na mitologia nórdica, mas foi a brutalidade das trincheiras da Primeira Guerra Mundial que cimentou seu ateísmo.Para o jovem soldado ferido na França, o sofrimento do mundo era a prova irrefutável de que, se Deus existisse, Ele não era bom. Lewis retornou a Oxford como um materialista convicto, determinado a viver pela lógica fria.
A virada, no entanto, não veio pelo abandono da razão, mas pelo aprofundamento dela. Influenciado pela leitura de G.K. Chesterton (que lhe mostrou que o cristianismo explicava a história humana melhor que o materialismo) e pela amizade com J.R.R. Tolkien, Lewis enfrentou uma crise. Tolkien o ajudou a ver que o Evangelho era o "Mito Verdadeiro" — a única história onde o Deus que morre e ressuscita (um eco presente em várias mitologias) entrou na História factual e concreta.
Em 1931, Lewis rendeu-se. Ele descreveu a si mesmo como "o convertido mais relutante de toda a Inglaterra". Ele não foi arrastado pela emoção, mas pela implacável lógica de que Deus era um fato inevitável.
II. A Espada Lógica: A Defesa da Fé
Para o estudioso moderno, a contribuição de Lewis para a apologética (a defesa racional da fé) é inestimável porque ele evita o "evangeliquês". Em sua obra seminal, Cristianismo Puro e Simples, ele estabelece fundamentos que desafiam tanto o cético quanto o religioso nominal.1. A Lei Moral e o Legislador (ou "Lei da Natureza Humana")
Lewis inicia sua argumentação não com a Bíblia, mas com a observação humana. Ele nota que todos os seres humanos, ao discutirem, apelam para um padrão de "Justiça" ou "Jogo Limpo". Se o universo fosse apenas matéria aleatória, não haveria "certo" ou "errado", apenas preferências biológicas. O fato de sentirmos o dever de julgar moralmente (mesmo contra nossos instintos de autopreservação) aponta para uma Lei Moral objetiva. E uma lei pressupõe uma Mente Legisladora por trás do universo.
Este argumento é a base do livro Cristianismo Puro e Simples. Lewis não começa falando de Deus ou da Bíblia; ele começa observando como as pessoas brigam.
O Conceito: Lewis notou que, quando duas pessoas discutem, elas dizem coisas como: "Isso não é justo", "Você prometeu", ou "E se eu fizesse o mesmo com você?".
O Ponto-Chave: Essas frases só fazem sentido se ambas as partes acreditarem que existe um padrão de comportamento real e externo a elas. Se não existisse um padrão (o certo e o errado), brigar não faria sentido, assim como não faz sentido brigar porque um gosta de azul e o outro de amarelo.
Não é Instinto: Lewis argumenta que a Lei Moral não é apenas um instinto de rebanho (biológico).
Exemplo: Se você vê alguém se afogando, você tem dois instintos: um diz "ajude" (instinto de rebanho) e o outro diz "fuja para se salvar" (instinto de autopreservação). Mas existe uma terceira coisa dentro de você que julga: "Você deveria seguir o instinto de ajudar". Essa coisa que julga qual instinto seguir não pode ser, ela mesma, um instinto.
Não é Convenção Social: Embora aprendamos regras na escola, a Lei Moral não é apenas invenção humana (como dirigir na mão direita ou esquerda). Nós julgamos que a moralidade de certas culturas (como a Alemanha Nazista) foi pior ou errada. Para dizer que uma moral é melhor que a outra, precisamos de uma régua para medir ambas. Essa régua é a Lei Moral Real.
2. O Argumento do Desejo
Se a Lei Moral apela para a consciência, o Argumento do Desejo apela para o coração e para a "saudade" inexplicável que sentimos.O Conceito: Lewis observou que os seres humanos nascem com desejos que correspondem a coisas reais.
Sentimos fome -> Existe comida.
Sentimos cansaço -> Existe sono.
Sentimos desejo sexual -> Existe sexo.
O Conflito: Lewis argumenta que existe um desejo específico no ser humano que nada neste mundo consegue satisfazer plenamente. Nós buscamos felicidade no dinheiro, nas viagens, no sucesso profissional, no casamento romântico. Mesmo quando conseguimos tudo isso, ainda sentimos um vazio, uma sensação de que "falta algo", uma nostalgia de um lugar onde nunca estivemos. Lewis chamava isso de Sehnsucht (uma palavra alemã para um anseio profundo e inconsolável).
A Lógica: Se todos os nossos desejos biológicos têm satisfação correspondente, é provável que esse "desejo transcendental" também tenha. Se o mundo natural não pode satisfazê-lo, então o objeto desse desejo não deve ser deste mundo.
"Se eu encontro em mim mesmo um desejo que nenhuma experiência neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo." — C.S. Lewis
Um Resumo de Lewis: Esse desejo é a prova de que fomos feitos para Deus e para a eternidade. As coisas boas da Terra (amor, natureza, música) não são a coisa em si, mas apenas reflexos ou "aperitivos" da verdadeira alegria que encontraremos nEle.
2. O Trilema de Lewis
Contra a tendência moderna de reduzir Jesus a um "bom mestre de moral" (como Sócrates ou Buda), Lewis ergue uma barreira lógica intransponível. Jesus fez afirmações que nenhum mero mestre moral faria: perdoou pecados contra terceiros, declarou-se eterno e afirmou que julgaria o mundo. A lógica de Lewis nos deixa apenas três opções:Louco: Ele acreditava ser Deus, mas não era (um lunático).
Mentiroso: Ele sabia que não era, mas enganou a todos (um demônio).
Senhor: Ele era quem dizia ser. A opção "bom filósofo humano" é a única que a lógica não permite.
1. O Ponto de Partida: As Afirmações de Jesus
Lewis começa lembrando o leitor do que Jesus realmente fez e disse nos Evangelhos. Ele não apenas ensinou a amar o próximo; ele fez afirmações chocantes para um judeu do primeiro século:Ele disse que perdoava pecados (Lewis nota: "Se alguém pisa no seu pé, você o perdoa. Mas o que pensar de alguém que perdoa você por ter pisado no pé de outra pessoa?" Apenas Deus, a parte ofendida em todas as transgressões, poderia fazer isso).
Ele afirmou existir antes de Abraão.
Ele afirmou que julgaria o mundo no fim dos tempos.
2. A Lógica: As Três Portas
Diante dessas afirmações, Lewis diz que só existem três explicações lógicas para quem Jesus era. Se um homem comum diz essas coisas, ele não pode ser um "grande mestre moral". Ele cai em uma de três categorias:A. O Louco (Lunático)
Se Jesus não era Deus, mas acreditava genuinamente que era, então ele sofria de uma psicose gravíssima.
Ele não seria um mestre sábio; ele seria um desequilibrado, no mesmo nível de alguém que hoje diz ser Napoleão ou uma torrada.
A frase famosa de Lewis: "Ele seria um lunático — no mesmo nível do homem que diz ser um ovo cozido."
B. O Mentiroso (Demoníaco)
Se Jesus não era Deus e sabia que não era, mas dizia sê-lo mesmo assim, então ele era um charlatão perverso.
Ele enganou seus seguidores, levou-os à morte e ao martírio por uma mentira, e blasfemou contra a fé de seu próprio povo.
Nesse caso, ele não é um "bom mestre"; ele é o próprio diabo, cheio de soberba e maldade.
C. O Senhor (Deus)
Se ele não era louco (pois seus ensinamentos eram profundos e lúcidos) e não era mentiroso (pois sua vida foi moralmente impecável e ele morreu por sua causa), a única opção lógica que resta — por mais incrível que pareça — é que Ele estava falando a verdade.
3. O "Xeque-Mate" de Lewis
A genialidade do argumento é que ele retira a opção "segura" do cético moderado.
"Um homem que fosse apenas um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre moral. [...] Você tem de fazer uma escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. [...] Mas não venham com essa conversa mole e paternalista de que ele foi um grande mestre moral. Ele não nos deixou essa opção. Não foi sua intenção deixá-la." — C.S. Lewis, em Cristianismo Puro e Simples
III. O Anseio do Coração: O Argumento do Desejo
Enquanto a Lei Moral fala à mente, o conceito de Sehnsucht (ansiedade ou desejo inconsolável) fala ao coração. Lewis diagnosticou a condição humana como uma busca eterna por satisfação.Nós comemos e a fome passa; dormimos e o sono passa. Mas temos um desejo existencial — uma saudade de um "lar" que nunca visitamos — que nem o sucesso, nem o dinheiro, nem o casamento romântico conseguem preencher. Para Lewis, isso não é um erro evolutivo, mas uma pista:
"Se eu encontro em mim mesmo um desejo que nenhuma experiência neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo."
Este argumento valida a experiência cristã de que a Terra, por mais bela que seja, é apenas um reflexo ou um "aperitivo" da verdadeira Realidade que encontraremos em Deus.
IV. A Imaginação Redimida: Nárnia e a Sub-Criação
A genialidade de Lewis foi perceber que a razão, por si só, é um "órgão da verdade", mas a imaginação é o "órgão do significado". Sob a influência de Tolkien e o conceito de Sub-criação (a ideia de que, ao criarmos histórias de fantasia, imitamos o Criador), Lewis escreveu As Crônicas de Nárnia.Nárnia não é apenas entretenimento infantil; é teologia em imagens.
A Encarnação e Expiação: Através do sacrifício de Aslam, Lewis torna palpável a doutrina da expiação substitutiva, muitas vezes abstrata para o crente moderno. Vemos o custo do pecado e a majestade da graça.
A Psicologia do Pecado: Em obras como Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, Lewis usa a sátira para expor a banalidade do mal. Ele nos ensina que o inferno não é construído necessariamente sobre grandes crimes, mas sobre o "declive suave" do orgulho diário, da distração e do ressentimento.
V. O Grande Milagre e a Dor Real
A teologia de Lewis culmina na visão do "Grande Milagre": a Encarnação. Em seu livro Milagres, ele compara Cristo a um mergulhador que desce às profundezas da morte e da matéria, não para violar a natureza, mas para resgatá-la e levá-la de volta à superfície.Essa fé robusta foi testada pelo fogo. O solteirão acadêmico conheceu o amor tardiamente com Joy Davidman, apenas para perdê-la para o câncer pouco tempo depois. Em A Anatomia de uma Dor, vemos o titã da fé reduzido a um homem gritando no escuro. Mas é nessa honestidade brutal que Lewis oferece seu maior serviço aos que sofrem: ele mostra que a fé não é um escudo contra a dor, mas a certeza de que a dor não é a palavra final. Ele redescobre Deus não como uma ideia, mas como a única Presença real.
Conclusão: Olhando para o Sol
C.S. Lewis não fundou uma igreja nem criou uma nova doutrina. Seu legado é ter limpado as janelas através das quais vemos a antiga fé. Ele uniu o rigor de Chesterton com a imaginação de Tolkien, oferecendo ao cristão moderno uma fé integral.
Ele nos convida a não deixar o cérebro na porta da igreja, nem o coração na porta da universidade. Sua vida resume-se na frase que ele proferiu ao Clube Socrático de Oxford, que serve como lema para todo cristão que busca a verdade:
"Eu acredito no Cristianismo como acredito que o sol nasceu: não apenas porque o vejo, mas porque por meio dele vejo tudo o mais."
Para o leitor de hoje, Lewis aponta que Cristo é a luz que ilumina a biologia, a arte, a moral e a própria existência. Sem Ele, estamos no escuro; com Ele, tudo o mais ganha sentido.
Principais Legados
|
Categoria |
Obras
Principais |
O
que é? |
|
Ficção |
As Crônicas de Nárnia,
Trilogia Cósmica |
Fantasia com profundos temas morais e espirituais. |
|
Apologética |
Cristianismo Puro e Simples |
Defesa lógica da fé cristã (originalmente palestras
na rádio BBC). |
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Sátira |
Cartas de um Diabo a seu Aprendiz |
Um demônio sênior ensina um novato a tentar um
humano. |
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Autobiografia |
Surpreendido pela Alegria |
O relato de sua conversão. |















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